Se imaginar hip-hop, big bands e samba tocando na mesma festa parece muito estranho, você certamente ficará surpreso com o samba-rock, uma expressão musical autêntica das comunidades negras de São Paulo.
Provavelmente um desses gêneros que você nunca ouviu falar (na verdade, muitos brasileiros fora de São Paulo também não), o samba-rock surgiu do encontro entre os ritmos negros mais populares do Brasil e dos EUA. Embora tenha sido apenas na década de 1970 que o samba-rock se tornou uma "coisa", suas raízes remontam ao final da década de 1950, quando a música rock começou a se espalhar pelo mundo.
A partir dos anos 1950, a música rock dominou as pistas de dança do Brasil. Acompanhando as últimas tendências do rádio, os guetos de São Paulo logo ficaram hipnotizados pela música negra americana. Junto com o samba e o bolero, o som do blues, jazz e rock era essencial para todas as festas da época. Bill Haley e Johnny Rivers eram alguns dos favoritos para dançar em casamentos, aniversários e reuniões familiares.
O samba-rock nasceu primeiramente como um estilo de dança devido à dinâmica através da qual a cultura disco evoluiu em São Paulo. Embora a maioria das festas negras começasse como pequenas reuniões familiares no quintal de um parente, elas logo cresceram e foram para locais comerciais. À medida que as festas começaram a atrair mais e mais pessoas, de diversos bairros periféricos de São Paulo, deram origem ao caráter mais fundamental do samba-rock: o disc-jockey, cujo primeiro representante, pelo menos no Brasil, é Osvaldo Pereira, de 85 anos, também conhecido como “Orquestra Invisível (Invisible Orchestra) Vamos Dançar.”
A grande estreia de Pereira como DJ aconteceu no centro de São Paulo em 1958. “As festas começaram a ficar lotadas, e os salões para as festas começaram a aumentar. Então, pensei em construir meu próprio equipamento, que precisava ser potente e fiel ao som das orquestras ao vivo”, diz o pioneiro, que também recorda as reações impressionadas do público em relação à sua máquina de aproximadamente 100 watts, que incluía uma versão rudimentar de um crossover (permitindo que ele controlasse as frequências sonoras).
Com Pereira, a era das “orquestras invisíveis” (ou DJs) foi oficialmente inaugurada na comunidade negra de São Paulo. Nos “baile mecânicos” — outra designação das festas negras, já que as orquestras ao vivo só tocavam nas festas de brancos — os DJs tocavam diversos gêneros musicais, variando do samba “Partido Alto” ao rock italiano. Desde Lindy Hop e Rockabilly até Samba de Gafieira, todos dançavam em pares, e os festeiros trocavam suavemente de um estilo de dança para outro, de acordo com a escolha do DJ. No entanto, quando os DJs começaram a tocar “Rock Around the Clock” de Waldir Calmon, uma versão samba da música de Bill Haley, as festas negras nunca mais foram as mesmas: gradualmente, os festeiros uniram todos os movimentos de rock e samba em um único estilo de dança, que mais tarde foi chamado de samba-rock.
“Em termos de dança, samba-rock é sobre relaxamento e concentração, tudo ao mesmo tempo. Ele mistura a ‘ginga’ africana (movimento corporal do Capoeira), que está presente nos pés e nos quadris, e a referência europeia da etiqueta de salão,” explica Mestre Ataliba, um dos primeiros professores de dança samba-rock em São Paulo, que celebra o diálogo entre samba rock e a diversidade musical. “Podemos dançar ao som de Rita Pavone, samba-pagode, reggae, R&B. Ele realmente abraça toda a cultura musical,” diz ele.
À medida que o samba-rock ganhava cada vez mais força nas discotecas durante as décadas de 1970 e 1980, várias bandas e cantores brasileiros ganharam visibilidade na cena da música negra em São Paulo. Alguns deles foram realmente rotulados como músicos de samba-rock, como o lendário Jorge Ben Jor, cantor, instrumentista e compositor carioca. Autor de “Mas que Nada” — uma composição mundialmente famosa, especialmente através da versão ao piano de Sergio Mendes — Jorge Ben Jor, considerado por alguns como o “pai do samba-rock,” nunca se declarou como tal. No entanto, várias de suas músicas têm sido favoritas nas festas de samba-rock tradicionais até os dias de hoje. Tendo gravado com Ben Jor, mas também com nomes como Vinícius de Moraes, o Trio Mocotó é fortemente associado como a banda de samba-rock da década de 1970. Também considerado o fundador do samba-rock, o percussionista e cantor Branca di Neve fez um grande sucesso nas festas negras de São Paulo nos anos 1980, especialmente por seus álbuns “Branca Mete Bronca” (volumes 1 e 2).
Embora todos esses artistas representem a essência sonora de uma festa de samba-rock, nenhum deles declarou ser um músico de samba-rock. Assim, o samba-rock só surgiu oficialmente como um gênero musical nos anos 2000, com bandas como Sandália de Prata e Clube do Balanço. Ao contrário do gênero de dança, o Clube do Balanço ganhou notoriedade ao tocar samba-rock em bairros de classe média em São Paulo. Segundo o vocalista e guitarrista Marco Mattoli, isso é exatamente o que facilitou a nova fase do samba-rock: “Não viemos das periferias, então tínhamos uma perspectiva mais de fora sobre o samba-rock. Quando o vimos pela primeira vez, nos sentimos hipnotizados por aquele swing. O que fizemos foi simplesmente iluminar uma cultura e uma tradição que sempre esteve nos guetos, e depois levar isso a outros públicos,” diz Mattoli, que destacou a importância de “quebrar as paredes” e aproximar a periferia e o centro de São Paulo.
Assim como todo gênero musical, as músicas de samba-rock têm qualidades compartilhadas essenciais: têm groove, têm “tumxicutumxicutum,” como coloca Matolli, referindo-se à peculiar onomatopeia do ritmo do samba-rock. Entre os instrumentos mais importantes do samba-rock estão os tambores, o baixo, o teclado e os metais. Por outro lado, ao pensar nos anos 1970, Jorge Ben e Trio Mocotó sempre tocaram com timba (um tambor tradicional), pandeiro e guitarra. Para Mattoli, há uma “limitação interessante” ao compor samba-rock: “A música precisa sempre ser boa para dançar, caso contrário, não faz sentido. Isso limita o processo de composição, mas cria uma identidade cultural para nossa banda. Hoje, não conseguimos mais ver como rock, samba, soul ou funk. O samba-rock se tornou uma coisa original.”
Desde o final da década de 1950 até os dias de hoje, o samba-rock passou por mudanças consideráveis — para melhor ou para pior. Enquanto Pereira acredita que adicionar samples eletrônicos à música negra old school é positivo, alguns de seus filhos (a maioria deles também DJs) discordam disso. Para Mestre Ataliba, a inclusão do samba-rock nas academias de dança fez com que o ritmo perdesse um pouco sua “ginga,” presente nas coreografias tradicionais do samba-rock.
Por outro lado, entusiastas do samba-rock têm gradualmente levantado a consciência sobre sua importância — não apenas como uma dança ou um gênero musical, mas como um movimento cultural complexo, composto por DJs, produtores, músicos, videomakers, acadêmicos e dançarinos. A igualdade de gênero em eventos de samba-rock, por exemplo, agora está sendo debatida de maneira sem precedentes: “As mulheres costumavam sentir que eram meras dançarinas de apoio em uma festa de samba-rock. Os homens sempre estiveram sob os holofotes, mesmo sendo a maioria nas pistas de dança. Agora, as mulheres que costumavam se subestimar podem dançar com outra postura, com uma auto-estima mais elevada,” diz Camila Camargo, que em 2016 lançou o projeto “Samba Rock Mulheres,” com o objetivo de empoderar mulheres através do samba-rock. Declarado patrimônio cultural imaterial de São Paulo em novembro de 2016, o samba-rock parece estar pronto para contar orgulhosamente ao mundo o que é: “dança, música, mas também estilo de vida, e mais importante, é a identidade cultural do povo negro de São Paulo,” conclui DJ Dinho Pereira, filho do primeiro DJ do Brasil, Seu Osvaldo.
Foto da capa por Nego Junior.
Beatriz Miranda é uma jornalista brasileira que vive entre o Rio e São Paulo. Ela acredita que a única certeza na vida é que a arte move montanhas.
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